UMA GRANDE DAMA DA
CULTURA PERNAMBUCANA
No Ultimo dia 01 de maio, na apresentação na 27 Festa da Lavadeira - Recife - PE, toda Nação foi homenagear a nossa mais antiga dama de paço de baque virado, falecida no final de abril, e o nosso Luiz Eurico, escritor e coordenador técnico do Ponto de Cultura Almirante do Forte, nos proporcionou esse belo texto(que pode ser visto também no seu blog):
UMA GRANDE DAMA DA
CULTURA PERNAMBUCANA
Quem vê as enormes
torres do pólo médico da Ilha do Leite, nem imagina como eram
aquelas terras. Terras? Ali quase não havia terra. No início do
século XX, só se viam pequenos bancos de areia, três pequenas
casas de alvenaria e alguns palafitas. No meio dessa pequena
aglomeração de mocambos (mocambo era o nome que na época se dava
aos casebres ribeirinhos do Recife), erguia-se a pequena capela de
Nossa Senhora da Saúde, que até hoje está lá, resistindo entre os
espigões da Praça Miguel de Cervantes. Pois é, o antigo banco de
areia hoje é praça e no entorno já não se vê o antigo manguezal.
Os grandes hospitais invadiram a margem do Rio Capibaribe e a cidade
expandiu -se sobre o antigo lugarejo de pescadores, carvoeiros e outros ofícios, todos de maioria negra.
Ali nasceu a nossa
Carmelita Deodoro da Silva, nome de batismo, pois, na verdade ela
usava Ana Carmelita Teodoro. O seu pai, Manuel Teodoro, a chamava
carinhosamente de “Calimita”...
Nós a conhecemos por
Sinhá Nana, em casa de meus avós, quando ali ficou agregada, nos idos
de 1960. Recentemente, o povo do Maracatu a conhece por Don'Ana.
Logo Don'Ana e família
seriam expulsos da Ilha do Leite, passando a residir na periferia.
Tempos sombrios em que a política do Estado Novo demolia os mocambos
e a cidade crescia, sufocando os mais pobres. Esse filme a gente
ainda vê hoje em dia...
Don'Ana foi viver com
meus avós, amigos desde infância, no bairro humilde do Pacheco.
Lembro dela em sua azáfama diária, lavava, varria, e engomava os
paletós de meu avô assoprando as brasas de um pesado ferro de
passar. Era uma gigante para trabalhar. Não descansava. E além
disso, cuidava com desvelo das crianças. Quando nos levava os Grupo
Escolar, apertava bem na nossa mãozinha, com medo de nos perder. Era
uma cuidadora amorosa e fiel.
Mas, quando se
aproximava o carnaval, Don'Ana sumia. Era o maracatu, dizia minha avó.
Ela some nos dias que antecedem a festa e só volta na quarta- feira
de cinzas. Eu, menino curioso, ficava intrigado com aquilo. Para onde
ia a nossa Sinhá Nana?
Hoje eu sei. Ela era a
dama do paço ou do “paaço”, em português arcaico. Paço, quer
dizer, palácio. Lugar onde vive a realeza. E Don'Ana era a dama do
paço da corte do maracatu. A dama que dança com a calunga, a
boneca
que representa a parte mística dos maracatus. E desde sempre foi a dama
exclusiva do Maracatu Almirante do Forte. Jamais abandonou essa nação,
que ela amava com toda a pureza d'alma. E como era puro o coração
de Sinhá Nana!
Essa pureza, junto com
os costumes da época fez com ela, ao engravidar do filho único,
sumisse da casa de meus avós, que, por essa época, já moravam em
Tejipió. Don'Ana, grávida, foi acolhida pelo fundador do Almirante,
Mestre
Antonio José da Silva, o pai do nosso Mestre Teté, e nunca mais
saiu do convívio dessa família, que a tinha como uma segunda mãe. Ainda
tentaria morar em casa na nora. Mas o seu lar seria definitivamente a
sede do Almirante do Forte, atual residencia do Mestre Teté.
O tempo passou. Meus
avós faleceram. E por décadas não mais tivemos notícias da nossa
Tia Nana.
Reencontrei Dona Ana em
meados de 2008, por ocasião em que o Mestre Teté nos convidou para
participar do Projeto do Ponto de Cultura Almirante do Forte. Dona
Ana, já centenária, já não desfilava com o cortejo. Mas estava
sempre presente nos ensaios do grupo percussivo. Afinal, ela morava
ali mesmo, na sede do Almirante. Quem não há de lembrar daquela
sorridente velhinha, olhos apertadinhos, a dançar miudinho, num
cantinho da sala principal? O maracatu era o destino de Don'Ana. Não
tinha mais notícias do filho, que casara e morava no interior. Sem
outros parentes, a sua família era a nação Almirante. E ali vivia
cercada de carinho e de cuidados, por quase 60 anos.
Hoje, na pátria
espiritual, sei que Don'Ana, com aquela simplicidade, contempla o seu
povo, a sua nação, uma das nações mais tradicionais de
Pernambuco, com a certeza que a sua gente vai segurar no leme com fé
e fazer o Maracatu Nação Almirante do Forte navegar para muitas
vitórias, nesse oceano bravio, que é a nossa cultura popular.
Até um dia, Sinhá
Nana!
Que a tua energia
esteja sempre com nossa Nação!
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